quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

caixinha de música.

Ele.

Nada de especial aconteceu quando nasceu. Não era o primeiro da família, mas parecia ser o último, já que houve algumas complicações no parto e sua mãe ficou impossibilitada de procriar mais. Talvez isso tenha deixado a ele uma culpa. Talvez ele pensasse que a infertilidade da mãe fosse por ele, mas não era.

Com cinco anos, percebeu que o que sua mãe fazia era magnífico e percebeu também que suas três irmãs não tinham, nem de perto, o dom para a coisa. Com cinco anos ele chegou a mãe e disse: “mãe, me ensina a dançar?”. Ali começava a jornada do melhor bailarino que o mundo iria conhecer. Naquele instante algo inusitado acontece. Naquele instante...

Ela.

Naquele instante nasce ela, o mundo parecia ganhar novas notas musicais.

No momento em que ela nasceu, foi um momento mágico que, apesar do parto normal, sua mãe nem sentiu as dores. Na verdade, ela não pode contar suas dores, já que entregou a sua vida para sua filha.

Foi criada pela sua avó, que também era uma pianista muito conhecida naquela cidade pequena. Parava tudo que todos estavam fazendo no momento em que seus dedos tocavam as teclas daquele instrumento. Mas ela não era tão magnífica quanto a jovem que acabara de nascer. Não era mesmo. Aquela menina, com uma beleza simples, sem muitos traços marcantes, parecia uma boneca em uma instante.

Aprendeu a tocar piano muito cedo, graças a sua avó, e sua evolução foi muito grande. Em pouco tempo já roubava a atenção de todos, talvez mais pelo fato da sua beleza singular do que pelo seu talento. Sim, custou um pouco até perceberem que estavam lidando com o mais novo gênio do mundo.

Algo que lhe diferenciava da sua avó era o fato de saber usar bem as palavras, de dar voz ao que o piano não conseguia falar por si só, algo que nem todos conseguiam, mas ela pouco o fazia, preferia deixar que as pessoas sentissem sua emoção apenas pelo tocar das teclas.

Os dois.

Eles estavam diretamente ligados um ao outro. Uma: por prover a música, o outro: por ter a música como sua guia. Era assim que os dois iriam se comportar, ela lhe dando as notas e ele as dançando.

Conheceram-se por acaso, já com idéias formadas sobre o que seriam mais na frente. Já tinham se projetado o que seriam pela frente, mas algo lhes faltava já que ainda não tinham se aproximado. Nele faltava o sentimento verdadeiro de uma música. Nela faltava a verdadeira inspiração.

Suas músicas eram sutis, mas eram fúteis. Arrancavam suspiros de todos e despertavam sentimentos diversos a quem ouvia. Mas para ela algo faltava. Falar do amor pelas suas coisas, pelas artes não estava mais sendo suficiente àquele gênio das notas especiais. Até ela o conhecer.

Sua dança era sutil, seus movimentos eram libertadores, mas eram vazios. Arrancava aplausos de multidões e até recebia flores depois de dançar. Mas para ele algo faltava. Não era música, não conseguia expor realmente o que sentia na falta de notas especiais, feitas por ele e para ele. Até ele a conhecer.

Muito aconteceu depois que eles se conheceram, virgens de idéias e experiências, viveram de tudo que se pode imaginar, mas nunca brigaram. Não tinha por que. Eles se completavam. A junção daqueles dois fenômenos divinos gerou uma explosão indefinida.

“quer casar comigo?” ele pergunta no lugar onde haviam se conhecido, alguns anos depois da conexão da genialidade deles. Ela não responde. Simplesmente vira as costas e sai.

Ele.

Sua vida foi a terra. Como que ela pôde sair sem ao menos dizer sim ou não. Tolo. Talvez não já soubesse que muita coisa boa viria pela frente. Limitou-se ao momento, a palavra que poderia sair dos seus lábios. Mal lembrou que ela não demonstrava seus sentimentos cantando e sim pelas notas que se reproduziam ao tocar magicamente no piano.

Ela.

Já sabia da proposta, conseguiu sentir pelos poros dele que o iria fazer e se preparou. Vestiu seu vestido branco, acendeu velas e apagou as luzes. Aquele era o momento, seria a primeira vez que iria tocar a primeira música que havia composto na sua intenção. Mal sabíamos se era uma marcha ou uma valsa, mas sabíamos que seria algo tão sutil como seu amor por ele. Esperou sua entrada e começou.

Os dois.

Ao sentir as notas se aproximando, ele percebeu que algo havia mudado naquela sua atmosfera. Aquela música, qual seria aquela música que nunca tivera ouvido antes... Não, ele a conhecia, a conhecia muito bem por sinal. Era uma música... Uma história, contava uma história de um sentimento que ele tinha certeza que conhecia. Esperaram as notas terminar e o silêncio tomar conta do lugar. Aquela música silenciosa que rodeava os dois possuía o mesmo compasso, estava na mesma melodia e foi ai que surgiu a resposta. Não, não saiu dos lábios do nosso gênio das notas especiais. Veio da melodia que os dois criaram naquele momento.

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